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Capelinhos - O Vulcão​​

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A paisagem na ponta oeste da ilha do Faial era marcada pelo magnífico edifício do Farol dos Capelinhos e pela azafama da vida rural. Por um lado, o amanho das terras e por outro a importância do mar, não só para a pesca, mas também para a caça à baleia. Em meados do séc. XVIII, a caça à baleia foi introduzida nas ilhas por baleeiros americanos, tornando-se uma importante fonte de rendimento nos Açores. Já no decorrer do sé­culo XIX, a ilha do Faial sofreu uma grande influência a nível cultural, social e económico, com a chegada da família Dabney. De origem americana, esta família, durante muitos anos, deteve a representação consular dos Estados Unidos da América para os Açores, destacando-se, essencialmente, pelo contributo dado na indústria da caça à baleia e na produção e exportação da laranja.

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Na ilha do Faial existiam três postos baleeiros - Porto Pim, Porto do Salão e Porto do Comprido - este último exatamente na freguesia do Capelo. Segundo o testemunho de Francisco Medeiros “(...) foi a maior estação baleeira e mais produtiva na caça à baleia do Arquipélago dos Açores (…)”. Neste local, junto à ponta dos Capelinhos, existia um pequeno aldeamento sazonal, constituído por 12 palhotas (casas de pedra cobertas por colmo), habitadas por baleeiros do Faial e do Pico, apenas durante a época da caça à baleia. Quando as condições atmosféricas não permitiam que avançassem para o mar, os baleeiros do Pico pescavam na costa, vendiam o peixe capturado pelo Capelo ou salgavam-no para troca por cereais com a população local. Alguns ainda, auxiliavam os agricultores locais, em busca de subsistência. A estação baleeira do Porto do Comprido foi encerrada em 1957, como consequência da erupção do vulcão dos Capelinhos, tendo sido transferida para o Varadouro, onde se manteve até ao início dos anos 80.

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O Farol dos Capelinhos indicava à navegação a linha de costa e os baixios ali presentes, neste, eram ainda realizadas diariamente observações do estado do mar. No dia 27 de setembro de 1957, por volta das 6h45 da manhã, ‘’ao observar o estado do mar, verificou-se que se havia formado, a cerca de 1 km a ONO (oés-noroeste) do farol, uma mancha azul clara, de forma alongada, que contrastava com o tom mais escuro do mar à roda; passados alguns minutos, no interior dessa mancha, a água começou a borbulhar, levantando-se em seguida em cachão e deixando um círculo de pedras fumegantes, que um momento boiavam, para logo desaparecerem.’’ Este era o primeiro relato do início da erupção do vulcão dos Capelinhos, que surgiu a cerca de 1 km do Farol e que viria a ser o primeiro vulcão submarino a ser devidamente estudado e documentado durante toda a sua atividade.


Este fenómeno surgiu no mar, entre os 20 a 60 metros de profundidade, com a emissão de cinzas vulcânicas e vapor de água. A sua natural evolução provocou uma alteração no seu comportamento, passando assim a assumir características subaéreas (terrestres) que alternaram entre períodos explosivos e efusivos. No início de outubro de 1957, verificou-se uma intensa atividade explosiva, com a emissão de grandes quantidades de cinzas. Acompanhada por uma alteração na direção dos ventos, esta emissão de cinzas afetou fortemente as zonas do Canto e Norte Pequeno, fazendo com que acabassem por ser evacuadas. No entanto, todos os dias estas pessoas regressavam, cuidavam da vinha, apanhavam milho e visitavam as casas, mas quase ninguém dormia ali. A vida neste local tornou-se impossível, as casas foram danificadas, os terrenos não podiam ser trabalhados e a água das cisternas tornou-se imprópria para consumo das gentes e do gado.

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Esta abundante queda de cinzas nos locais referidos acarretou graves problemas que foram alvo da máxima atenção do Governador Civil, Sr. Freitas Pimentel, entre eles destacam-se o alojamento das populações sinistradas, o restabelecimento de vias de comunicação danificadas e a falta de atividade económica para quem viu os seus prédios completamente destruídos.

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Em maio de 1958 uma intensa crise sísmica devastou quase totalmente as freguesias do Capelo e Praia do Norte, levando à evacuação das mesmas. Abriram-se fendas no chão de quase 1 metro, foram danificadas cerca de 1037 casas e deslocadas cerca de 5000 pessoas. Esta intensa crise sísmica levou à reativação de um sistema de falhas que acabou por proporcionar atividade freática no interior da caldeira do vulcão central da ilha, com o aparecimento de fumarolas e a emissão de lamas esbranquiçadas. Na sequência deste episódio foi elaborado um plano de evacuação para toda a ilha, caso se desse a reativação daquele aparelho vulcânico, facto que felizmente não se chegou a verificar.

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Em setembro de 1958, a erupção começou a perder força e a atividade diminuiu consideravelmente. A 24 de Outubro desse mesmo ano, assistiu-se à última emissão de lava. Após treze meses, o vulcão adormeceu. Esta erupção provocou avultados prejuízos materiais em habitações das freguesias limítrofes como o Capelo, Praia do Norte e Cedros, bem como a inutilização de campos de cultivo, que foram cobertos por um espesso manto de cinza, não havendo, no entanto, vítimas mortais.

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O vulcão dos Capelinhos foi responsável pela abertura de uma nova página no panorama científico mundial, permitindo uma melhor compreensão dos diferentes processos que levam à formação de ilhas vulcânicas, como é o caso dos Açores. Se por um lado o seu papel para a ciência foi fundamental, não menos importante foi o impacto demográfico causado pelo mesmo. O facto de este vulcão ter destruído completamente uma vasta área de terreno agrícola e várias habitações, despertou a população afetada para o tão desejado ‘’sonho americano’’.

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Foi exercida uma forte pressão pela comunidade açoriana imigrante nos Estados Unidos da América junto dos Senadores dos seus estados de residência, tendo esta sido fundamental na criação do Azorean Refugee Act (ou Pastore Kennedy Act of 1958 ou Public Law 85-892). Esta legislação extraordinária alterou a quota de imigração existente para os Estados Unidos, permitindo a concessão de 1500 vistos emitidos apenas aos chefes de família, tendo este número sido alargado para 2000 vistos até 1962. Com o processo de envio das ‘’cartas de chamada’’, este fenómeno migratório foi altamente amplificado. Nas páginas do Diário Insular da altura (ilha Terceira) lia-se que, ‘’a ilha do Faial experienciou, em cerca de três anos’’ a emigração de mais de quatro mil e quinhentos habitantes, ao abrigo das facilidades concedidas pelo governo norte americano, em consequência das catastróficas erupções de 1957/58.

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É extraordinário como um pequeno vulcão submarino junto a uma ilha no meio do Atlântico foi capaz de alterar completamente a geomorfologia de uma ilha, alterar as leis de imigração de um país como os Estados Unidos e ser o mote para a realização de centenas de trabalhos científicos sobre este tipo de atividade vulcânica. 60 anos depois, a sua memória habita no Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos, e no imaginário de todos aqueles que o testemunharam.

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