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Capelinhos – A Erupção

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«O Vulcão dos Capelinhos é a imagem do processo em que o magma, vindo do interior da Terra atravessa a crosta e emerge na sua superfície (…). É a fábrica da paisagem que se manifesta nas ilhas açorianas, a origem do chão que pisamos, a matéria do nosso sonho de habitar (…)».

Duarte Belo (2008)

 

No livro de ocorrências do Farol dos Capelinhos, onde constam os registos do dedicado faroleiro Tomás Pacheco da Rosa, pode ler-se que, no dia 24 de setembro de 1957, se registaram dois abalos, e mais três na madrugada seguinte. A 25 de setembro tornaram-se mais frequentes, mas a sua intensidade não ultrapassava o grau III na escala de Mercalli sendo que no dia seguinte já se registaram cerca de 40 eventos. Desde o início da tarde desse dia até às 5h45 de 27 de setembro verificou-se um tremor constante, a partir daí os abalos foram diminuindo de intensidade. Cerca de uma hora depois, pelas 6h45 da manhã, surgem os primeiros sinais, no mar, de um novo vulcão.

 

A 27 de setembro de 1957, a cerca de 1 km do farol dos Capelinhos, entra em erupção o vulcão com o mesmo nome. Este fenómeno surgiu no mar, entre os 20 e os 60 metros de profundidade, com a emissão de vapor de água e gases vulcânicos. Esta primeira fase de erupção assumiu características surtseianas (fase submarina) e foi caracterizada pela projeção de enormes jatos de cinzas vulcânicas e densas nuvens de vapor de água. A coluna de cinzas atingiu uma altura máxima de cerca de 1400 metros, e a coluna de vapor chega a erguer-se até aos 4 km. As cinzas vulcânicas são o material mais comum em erupções deste tipo e resultam da pulverização da lava a elevadas temperaturas (cerca de 1100ËšC a 1200ËšC) com a água fria do mar, transformando a energia térmica (calor) em energia cinética (movimento).

 

Os registos da atividade deste vulcão eram bastante acurados, pode ler-se em algumas anotações de vários autores que, durante 33 horas (com início da observação na madrugada do dia 6 de outubro), se assinalaram 11 episódios explosivos de grande violência, sendo que um deles se prolongou durante quatro horas e doze minutos, ininterruptamente. Foi exatamente a 6 de outubro que, devido à alteração da direção dos ventos e ao aumento da emissão de cinzas, as zonas do Norte Pequeno e do Canto foram extremamente afetadas acabando por ser evacuadas. Pode ler-se em alguns registos o seguinte – ‘’ (…) durante a noite, um negrume aterrador provocava completa obscuridade (…). Pairava no ar intenso cheiro a gás sulfídrico e a outros compostos de enxofre (…). Passada a tormenta, estes lugares, antes cobertos de pastagens e culturas, haviam-se transformado num sítio inumano e desolado, como se um grande nevão negro tudo tivesse coberto. (…)’’. (Primeira notícia da erupção dos Capelinhos. Ribeiro, O.; Brito, R.S.)

 

A acumulação de cinzas acabou por criar uma pequena ilha em forma de ferradura que foi batizada pela população de ilha Nova ou ilha do Espírito Santo, tendo a mesma atingindo uma altura de cerca de 100 metros e um diâmetro máximo de cerca de 800 metros. Durante esta fase eruptiva as explosões alternavam com períodos de acalmia, durante os quais se verificavam afundamentos do cone, que acabaram por levar à submersão da pequena ilha Nova. No entanto, as frequentes emissões de cinzas vulcânicas criaram novas áreas emersas, acabando estas por se ligar à linha de costa da ilha do Faial através da criação de um istmo. A fase submarina desta erupção foi acompanhada por magníficas manifestações elétricas, um fenómeno visualmente semelhante a trovoadas e que ocorre devido à fricção das partículas projetadas para a atmosfera. Estas manifestações notam-se especialmente durante a noite e há registos de que foram fotografadas a 20 km de distância, na cidade da Horta. No final de 1957, ao serem avaliados os danos, verificou-se que as cinzas haviam atingido uma expansão de 23.5 km2 com espessuras que variavam entre os 5 e os 60 cm.

 

Em meados de dezembro ocorreu uma efémera fase subaérea (terrestre) com alternância de períodos efusivos e explosivos. Na zona leste do cone abriu-se uma pequena fratura de onde surgiram vários repuxos de lava incandescente que subiram até aos 15 metros de altura.  A emissão de material passou a centrar-se em três chaminés, onde as explosões estrombolianas se sucediam em intervalos de alguns segundos. O novo colapso de uma das vertentes fez com que o material incandescente voltasse a entrar em contacto com a água do mar, fazendo com que o vulcão assumisse novamente características submarinas até maio de 1958. Para alguns autores a presença de água não explica a diferença de comportamento deste vulcão, é sim explicada por variações físicas no aparelho vulcânico e no material emitido.

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Na noite de 12 para 13 de maio de 1958 verificou-se uma intensa crise sísmica em que se registaram cerca de 450 sismos que destruíram quase totalmente o Capelo e a Praia do Norte, em alguns pontos o tremor atingiu o grau X na escala de Mercalli. Esta crise sísmica, que acompanhou a erupção até junho do mesmo ano, destruiu casas e abriu fraturas no chão com cerca de 1 metro. Foram danificadas cerca de 1037 casas e deslocadas cerca de 5000 pessoas. Uma destas fraturas abriu-se no chão da caldeira do vulcão central da ilha do Faial (Caldeira do Faial) provocando o escoamento da água da lagoa aí existente. Esta água, ao ser aquecida em profundidade, despoletou explosões freáticas que cobriram o chão da caldeira de lamas brancas (pedra pomes pulverizada) e criaram um campo fumarólico que se manteve durante alguns meses depois da erupção.

A verdade é que a partir deste momento, o vulcão dos Capelinhos nunca mais foi o mesmo, passando a assumir exclusivamente um carácter subaéreo com características estrombolianas. A erupção passou a apresentar períodos de elevada explosividade, com a projeção de fragmentos de lava incandescente a mais de 500 metros de altura, intercalados com períodos efusivos, caracterizados pela emissão de escoadas lávicas de viscosidade variável. A partir de setembro de 1958 as explosões diminuíram a sua intensidade e a erupção acabou por terminar a 24 de outubro desse ano.

 

Durante treze meses cientistas de todo o mundo admiraram e estudaram este vulcão que viria a ser o primeiro vulcão submarino a ser devidamente estudado e documentado durante toda a sua atividade. A acumulação dos 174 milhões de m3 de material emitido levou à criação de uma paisagem única e com características muito específicas, o cone atingia uma altura de cerca de 160 metros e tinham sido acrescentados à ilha do Faial cerca de 2.4 km2 de área – as Terras Novas.

Quando termina a erupção dos Capelinhos, termina com ela o processo de construção de paisagem, iniciando-se automaticamente um processo de destruição que é atuado pelos agentes externos, o mar, o vento e as chuvas, que têm sido os principais responsáveis pela erosão deste cenário vulcânico. É perfeitamente compreensível que, nos hiatos temporais entre erupções vulcânicas, os agentes erosivos façam recuar as linhas de costa, caminhando-se assim para um estado de equilíbrio da paisagem. Esse processo era já visível na antiga linha de costa que caracterizava o local e que era constituída pelo desmantelado vulcão do Costado da Nau (arriba fóssil tornada inativa pela erupção do vulcão dos Capelinhos). Sendo as últimas fases eruptivas do vulcão dos Capelinhos caracterizadas pela emissão de escoadas lávicas, seria de esperar que estes produtos vulcânicos, capazes de criar rocha sólida e compacta, protegessem esta recente paisagem da ação erosiva do mar. O que na realidade se verifica é que esta rocha compacta não possui um alicerce sólido e, sendo o alicerce de cinzas facilmente escavado pelo mar, a lava, sem apoio, acaba por desmoronar. Vários cientistas previram que, o basalto que preencheu a chaminé poderia vir a constituir uma agulha vulcânica (forma subvulcânica que se forma quando os materiais que rodeiam a chaminé são, total ou parcialmente, erodidos) – elemento que, na realidade, é já visível neste local.

 

As taxas de erosão para a recente paisagem do vulcão dos Capelinhos, foram extremamente elevadas nos anos que se seguiram à erupção, sendo este processo mais eficiente a oeste e chegando a atingir os 300 m/ano para este quadrante em 1959. Entre 1976 e 1981 as taxas de erosão eram de cerca de 6 m/ano, ou seja, constatamos que estas são extremamente elevadas nos anos que se seguem à erupção, mas que tendem a diminuir ao longo dos tempos. Esta diminuição nas taxas de erosão deve-se a diversos fatores, sendo dois deles mais evidentes. Em primeiro lugar, deste processo erosivo, resulta a acumulação de materiais arrancados à paisagem, formando praias de calhau e de ‘’areia’’ que cobrem as margens junto ao cone principal atenuando assim o efeito das ondas junto à base da falésia e abrandando o processo erosivo. Em segundo lugar, o facto de as cinzas vulcânicas se alterarem ao longo do tempo através de um processo denominado palagonitização, do qual resulta a sua compacção e consequentemente uma nova rocha – o tufo – mais resistente à erosão. O último levantamento topográfico deste vulcão foi realizado em 2007, revelando uma taxa média de erosão costeira que ronda os 23 m/ano sendo que nos últimos anos se tem realizado em momentos bruscos de queda de blocos que rondam 1 a 1.5 m/ano. Assim, da paisagem inicial formada por este vulcão, restam apenas 0.5654km2.

 

 

Bibliografia:

Topografia e temperaturas do vulcão dos Capelinhos (setembro,1962). Forjaz, V.H.

Cone dos Capelinhos em 1981. Machado, F.; Freire, T.

Evolução Geomorfológica do ‘’Mistério do Vulcão dos Capelinhos’’ – 1957-2007. Forjaz, V.H.

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